O século XX, desde as suas primeiras décadas, em especial a partir da Segunda Guerra Mundial, promove uma destruição definitiva e irreversível da representação figurativa, da aparência daquilo que o olho nos mostra como realidade. A arte passa a ser representada por meio de formas, cores, gestos ou apenas idéias, materializadas ou não.
A pluralidade dos meios de expressão, a liberdade no tratamento do objeto estético e a desmaterialização da obra de arte conduzem o homem e consequentemente a arte para o seu futuro. Sem impedir o fluxo da história, é preciso entender que as descobertas e as invenções são cumulativas e servem de background para outras criações e novos inventos. Assim, a arte e os artistas sintonizados com os avanços tecnológicos estão sempre a exigir a reavaliação dos conceitos artísticos e, entre eles, os parâmetros utilizados para análise e julgamento da obra de arte. Na arte contemporânea as obras não precisam ser desta ou daquela maneira, não há limites e por isso não há exclusões. À qualidade deixa de ser uma questão de estilos e passa a ser uma questão de obras. Justifica-se, por isso, a afirmação de Ad Reinhardt, já em 1962, de que a arte é arte e o resto não é arte.
A complexidade em que se transformou o objeto estético trouxe grandes dificuldades para a filosofia da arte e para o observador que precisa mais do que nunca da teoria para compreender o objeto da arte. Segundo Arthur Dantó, na arte do nosso tempo, o objeto artístico está tão imbuído de consciência teórica que a separação entre objeto e sujeito quase desapareceu, pouco importando se a arte é filosofia em ação ou a filosofia é arte em pensamento. E é em decorrência dessas mudanças tão acentuadas que a sensibilidade contemporânea tem aspirado por um tipo de obra de arte que permita a livre interpretação orientada apenas por traços essenciais. Este é o caminho que se abre para a interatividade. A arte interativa reorganiza camadas de sensibilidade, ampliando o campo de percepção em trocas e modos de circulação por intermédio de circuitos de informação.
Interessado em oferecer ao observador vertentes possíveis de análise e compreensão, a artista responde aos estímulos de uma sociedade em constante mutação, colocando o resultado do seu trabalho, da sua idéia, à apreciação.
Com uma impecável e rigorosa ordem no composição, Doralice Zanetti mostra em suas pinturas recentes a pesquisa realizada, enfatizando o valor da textura como meio de expressão e como arte em si mesma. Textura e cor são os elementos essenciais trabalhados pela artista nas séries apresentadas. Na série vermelha, trabalha simultaneamente a textura, a tinta, a transparência e a consequente saturação da cor, resultando daí composições nas quais o volume e a profundidade criam formas dinâmicas e fortemente expressivas. As associações sinestésicas provocadas pela textura visual atraem o olhar do observador e provocam as mais diferentes sensações. Na série que privilegia o negro sobre o fundo branco, utiliza a textura para provocar alterações de ritmo e tensão de maneira continuada. Nas séries em pequenos formatos, mostra tipos diferentes de textura em cada obra, criando atalhos para a compreensão das formas recorrentes.
Merecem atenção especial as obras em grandes formatos, nas quais a artista demonstra todo o seu virtuosismo técnico, explorando ao limite a transparência e a luminosidade em trabalhos quase sempre monocromáticos. A sutil inserção de traços que parecem grafismos e que estão a meio caminho entre o deliberado e o caprichoso ou arbitrário, auxilia na criação de diferentes planos e permite associações bastante instigantes na compreensão formal das obras. Impelidas por sua dinâmica interno, em uma constante e renovada interpretação impessoal, essas obras permitem um tipo de contemplação criativa, graças a qual permanecem forçosamente atuais e contemporâneas e ainda adquirem, com seu monocromatismo e simbologia específicos, um caráter real no sentido de sustentar uma identidade própria e autônoma.
Acompanha há mais de dez anos as exaustivas pesquisas que vêm sendo realizadas pela artista, com vistas a um desenvolvimento técnico/ formal que lhe permitiram transformar as suas propostas em composições de grande importância estética. O conjunto das obras de Doralice Zanetti é o resultado de um processo criativo, absolutamente correto e que coloca a artista em sintonia com o seu tempo, permitindo uma multiplicidade de interpretações, tanto no campo da análise estético/formal, quanto no das sensações e emoções.